Conto: Convite para o velório
Aposentou-se do trabalho, mas não da rotina. Vivia sozinho e saía de casa todos os dias no mesmo horário, ao início da tarde, para ir até o centro da pequena cidade, onde ficava por horas no passeio público, ao lado da lancheria, assistindo ao movimento dos passantes e esperando algum conhecido para trocar conversas. Com o tempo, passou a reparar que o número de passantes conhecidos, mais velhos como ele, estava diminuindo e dando lugar a pessoas mais jovens a quem não conhecia. No último velório a que compareceu, sentiu certa piedade do morto - igualmente idoso - por reunir tão poucos interessados em sua despedida. Agora, parado ali na beira da calçada com as costas para a parede da lojinha de roupas, essa lembrança lhe veio como um susto: e se não vier ninguém ao meu velório?! O tamanho incômodo dessa imagem se ergueu como uma ameaça que agora passava a temer mais que tudo. De uma certa forma, relacionou a possível ausência de pessoas ao seu velório como o símbolo de uma vida fracassada, inútil, o que lhe assombrou. Afinal, era consciente que não tinha alcançado grandes méritos ou notoriedade na vida, mas admitir que era um ninguém desprovido de qualquer valor para os outros era algo que relutava aceitar. Além de seus poucos familiares relativamente distantes, queria contar com a presença de amigos e conhecidos em seu funeral. Mas será que iriam? Achou que teria de fazer algo a respeito, desde logo, para garantir um quórum satisfatório em suas honras finais. Voltou para casa naquele dia e tal preocupação adonou-se dele, tirando-lhe a paz e gerando uma ansiedade tamanha que não conseguia mais se conter, e agora, durante as tardes na calçada do centro, abordava os conhecidos (ou nem tanto) e os convidava para o seu velório, ainda sem dia e hora, insistindo em ouvir dos transeuntes a garantia de que iriam comparecer à solenidade, geralmente entre risos e olhares desconfiados, como quem mira a um louco. E assim passaram-se os dias, com muitos convites para o velório feitos a muitas pessoas, o que já o havia deixado mais tranquilo de que não passaria a vergonha de protagonizar um velório de ausentes, ou de não haver ninguém para levar-lhe o féretro pelas alças até o túmulo. E como o corpo talvez estivesse preso a essa última tarefa, logo em seguida descansou do fardo da vida numa certa noite. Sua estranha ausência da calçada no dia seguinte levou a que o procurassem em sua casa e encontrassem o corpo, sendo providenciado, assim, o esperado velório que, surpresa ou não, contou com a presença de muitos convidados, esses que não puderam resistir ao convite inusitado para se despedir de quem ainda não havia morrido. Mesmo sem maior interesse pelo cadáver, vieram, ou pela palavra dada - e porque com alma não se brinca -, ou compadecidos por perceber como é triste morrer e ser esquecido antes mesmo de deixar esse mundo, dentro de um caixão sem testemunhas.
Para o B.
Não garanto que irei...
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