O vampiro
Não acredito em vampiros. Mas, sim, há forças transformadoras que afetam o comportamento humano. As que são positivas, como o amor e a fé, e as que são negativas, como o ódio e o desencanto. O dinheiro pode ser uma dessas forças que transformam e, no extremo, levam à supressão da humanidade e do sentimentalismo em uma pessoa. Isso porque ter dinheiro e ganhá-lo, a partir de um ponto, pode se tornar a única coisa que interessa a quem o acumula. A partir do ponto em que ele atende nossas necessidades básicas e permite realizar nossos sonhos de consumo, o dinheiro pode passar a ser um valor por si mesmo e a regra de conduta que vai medir as atitudes em razão do resultado financeiro que elas possam gerar. Quando isso acontece, o dinheiro, gradualmente, começa a excluir os sentimentos e os demais valores que antes conduziam a vida daquela pessoa que, então, fica "vampirizada" por essa sede que é insaciável e só pode ser alimentada pelo dinheiro que segue acumulando e do qual já não admite mais perder uma única moeda. O que antes eram sentimentos nobres, agora são substituídos pela ganância e avareza, pelo egoísmo extremado e pelo sarcasmo a qualquer ato, próprio ou alheio, de solidariedade ou caridade com os menos favorecidos, julgados menores ou preguiçosos pela régua da própria meritocracia. A alexitimia - termo que também desconhecia - passa a tomar conta do sujeito, sendo ela a condição mental caracterizada pela dificuldade de reconhecer e expressar emoções, levando a relações puramente utilitárias baseadas no proveito que é possível obter do outro, ou, ao contrário, na completa indiferença e desprezo em relação a aquele de quem nada se pode tirar. O dinheiro aí já sugou a identidade da pessoa e a tornou um vampiro desprovido da capacidade de amar gratuitamente alguém ou alguma coisa que não seja o próprio dinheiro, o que no caso não é amor e sim uma espécie de obsessão. Mesmo sua própria família passa a ser vista com desconfiança, como meros aproveitadores de sua fortuna e por quem o acumulador começa a temer que lhe traiam para ficarem com o seu dinheiro. Essa desconfiança começa a perpassar e a minar todo o relacionamento que se queira manter com outras pessoas, amigos ou até amantes, o que leva ao isolamento e à solidão, deixando o vampiro solitário em seu castelo de onde só sai à noite quando é mais difícil para os outros reconhecê-lo. A única coisa que o difere, porém, dos vampiros dos filmes de terror é que o nosso pobre coitado não consegue comprar a vida eterna e, por isso, acaba morrendo miseravelmente sem conseguir levar consigo o tanto de dinheiro acumulado, que graciosamente vai para seus herdeiros, afinal de contas, quem tem vida eterna é ele... Mas veja que, assim como o vampiro cinematográfico, o dinheiro também sabe escolher as suas vítimas, porque nem todos, na verdade a grande maioria, não se deixa escravizar pelo mau uso do dinheiro. A maioria de nós, entende que o dinheiro, por si só, não é nem bom nem ruim. Aliás, ter dinheiro é muito bom, obviamente, pelo tanto o que nos permite realizar para nós, aos nossos e aos outros que sabemos que ele é meio e não deve ser ser um fim em si mesmo. Que nos regozijamos pelo que ganhamos a partir do nosso trabalho e que queremos desfrutá-lo nas mais diferentes recompensas possíveis. Que conquistamos o que almejamos em nossos objetivos de vida utilizando-o para pagá-los. Nisso tudo o que proporciona e serve, o dinheiro é bom e é bem vindo sempre. E não se trata de distinguir ricos e pobres, longe disso!, porque há tantos ricos generosos e livres da submissão à moeda, quanto há pobres avarentos e gananciosos. Ao fim e ao cabo, o dinheiro vai agir apenas como instrumento para cada um, na sua essência, realizar o bom ou o mal que lhe é próprio, sendo o ser humano que é - o que pode dar medo, mas não é nenhuma assombração.
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