A economia do corpo

Se a economia, num conceito bastante reducionista, é a ciência que analisa o modo como as sociedades utilizam recursos escassos para satisfazer necessidades ilimitadas, seria possível fazer uma analogia com o uso do nosso principal recurso biológico: o corpo humano? O que proponho é pensar sobre qual é a economia ideal do corpo, levando em consideração a sua finitude e o declínio temporal que o leva, gradualmente, ao esgotamento de suas utilidades para nós, seres humanos. Muita gente acredita que esse ideal é que o corpo chegue até o final de nossas vidas em condições de nos oferecer, ainda, as funcionalidades que dele se espera, com a qualidade que nos permita seguir tendo autonomia para realizar as tarefas essenciais do dia-a-dia, desde situar-se no tempo e no espaço, como realizar a própria higiene, comunicar-se,  arrumar a casa e por aí vai. Mas se a economia também é mensurada pelo equilíbrio entre a oferta e procura, a pergunta é se vale a pena nos dedicarmos a preservar esse recurso que é o corpo durante a vida adulta - principalmente - para que ele chegue à velhice em boas condições de nos proporcionar uma vida com qualidade, ou mesmo mais longeva. Ou se, por outro lado, realizar essa preservação do corpo seria um desperdício de uso e gozo pleno - por vezes até excessivo - de suas potencialidades durante o período de auge da vida útil do indivíduo, visando apenas uma melhor qualidade desse equipamento físico na velhice. Há pouco minha avó faleceu com 101 anos, que foi quando seu corpo finalmente se exauriu, mas ela permaneceu com boa saúde física até praticamente o seu último ano de vida, ainda que com restrições de movimentos decorrentes da idade. O problema é que sua mente já havia deixado de lhe responder desde uns anos para cá, em razão da senilidade comum aos idosos. Aí o que pergunto é, teria adiantado poupar o corpo durante a vida adulta e chegado com ele preservado em idade avançada se muitas vezes você sequer poderá aproveitá-lo por conta de outros fatores como, por exemplo, a derrocada da capacidade cognitiva. É como se você guardasse uma Ferrari na garagem durante toda a vida para utilizá-la na aposentadoria, mas alcançada esta você perdesse a licença para dirigir. Eu, sinceramente, tenho considerado que a melhor economia corporal está em aproveitar o corpo durante a juventude e a maturidade o levando aos limites daquilo que possa ser visto como uma vida saudável, sem prejuízo de alguns excessos ocasionais (contando, inclusive, com sua capacidade de recuperação), para chegar ao final sem deixar sobras, ou sem que restem recursos que não poderão mais ser utilizados para um bem viver, ou, figurativamente, sem que sobre gasolina após cruzar a linha de chegada. A meu ver, essa é a melhor economia do corpo, aquela que faça uso intensivo do corpo durante o período em que possamos melhor fazer uso dele para extrair o máximo das sensações e utilidades que ele pode proporcionar, testando frequentemente os limites de sua capacidade, para que, ao final, sua exaustão coincida com o término de nossa capacidade de gozar a vida.

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