Os (des)empreendedores
Já faz um bom tempo que somos estimulados a empreender, a assumir a condução do próprio trabalho, o do it yourself, para desenvolver o próprio negócio e livrar-se do patrão e do emprego convencional. Há todo um aparato de suporte para o empreendedorismo, com suas palestras e cursos motivacionais que giram em torno de um óbvio bem apresentado e prometem a receita do sucesso, além de incentivos legais diversos e apoio de entidades sérias. Não tenho dúvida alguma que empreender um negócio próprio é o caminho rumo à libertação financeira, a autonomia profissional e a autorrealização no trabalho, mesmo com todas as dificuldades que isso implica, principalmente pelo fato de você estar só, ou apenas com seus sócios na empreitada, geralmente com pouco capital e muitas incertezas. Eu mesmo, sendo um profissional autônomo, sou um empreendedor de minha própria carreira profissional. Mas o que eu critico, e ponho à reflexão, é sobre qual a medida e o limite desse empreendedorismo. Não me conformo que no atual estágio da civilização, com todos os ganhos tecnológicos obtidos, ainda tenhamos - a maioria de nós - que nos matar trabalhando, seja num emprego, seja sendo a própria empresa. Deveríamos estar desfrutando mais a vida e as nossas relações, os nossos prazeres e a própria contemplação desse planeta o qual insistimos em destruir. Os sacrifícios que muitos empreendedores se autoimpõem no caminho do almejado sucesso podem chegar a parecer uma condenação ao trabalho forçado. Foco total em desenvolver e controlar formas de atrair e fidelizar clientes, em gerir sua própria empresa na trincheira entre os custos, receitas e investimentos, a gestão de outras pessoas que se pretende sejam tão ou mais comprometidas que o próprio empreendedor, o olhar combativo à concorrência, enfim, tudo isso ocupando doze ou mais horas do seu dia, todos os dias, sem descanso. Pra quê? Para aquisição de bens materiais e status, ou ser reconhecido como o bem-sucedido da vez? Enquanto isso, o preço de tamanha dedicação é cobrado sobre o casamento que vira divórcio para uns, o abandono dos filhos e a distância da família para outros, um coração que colapsa, a falta de tempo dedicado ao autoconhecimento e ao desenvolvimento da espiritualidade, a falta de memórias e momentos relevantes fora do trabalho, de uma vida que se possa dizer bem vivida. Não seria então a hora de nos dedicarmos ao "desempreendedorismo"? Não abandonar o sonho de empreender, mas colocar limites nesse ideal da autorrealização profissional a qualquer custo para conceder um espaço para nós mesmos, um espaço de vida e de relações verdadeiras, de trocas e de ganhos gratuitos, com os outros e o planeta? Dito assim, pode parecer algo até ingênuo, inocente ou descabido na realidade atual, tão competitiva e de superexposição do indivíduo como um cavalo de corridas que ou vence ou é perdedor, mas essa questão é sobre como viver e o que viver, e algum momento vai chegar até você, a tempo ou como arrependimento. Esteja preparado quando essa hora chegar ou antecipe-se e comece a ser um empreendedor que saiba também desempreender!
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