Conto: Outra vez

Chegou antes do combinado e escolheu a mesa mais reservada, no canto ao fundo do café. Estava ansioso, há muito não se viam e a tensão de reencontrá-la estava deixando claro que ainda sentia algo por ela, além da saudade. O quê, exatamente, não sabia ao certo. Já havia lamentado muito o longo tempo em que permaneceu preso a uma certa obsessão por essa mulher, descuidando de si mesmo, e achava ter superado essa fase de sua vida, mas já não estava certo disso. Seria desejo apenas, paixão ou algum outro tipo de conexão que o envolvia a ela? Olhou melhor o ambiente e trocou de mesa - estava mesmo ansioso por esse reencontro. Ficou imaginando o que lhe diria depois de tanto tempo, o que lhe perguntar, os gostos dela que ainda lembrava, buscando conduzir uma conversa agradável. Outra vez, como tantas vezes antes, estava numa mesa de café, esperando por ela, outra vez…Como estaria hoje? Feliz? Isso tornaria mais difícil qualquer investida, pensou, mas logo se arrependeu, não queria vê-la mal e muito menos se aproveitar disso - seja lá o que sentisse, não era um babaca. Talvez, depois de tanto tempo, fosse mais fácil abordar com ela o que sentia, ao invés de ficar jogado à lona na sua presença, como sempre acontecia. Mas o que ele representaria pra ela? Era o que mais ainda gostaria de saber. Às vezes lhe parecia ser recíproca a atração entre os dois, noutras, que ela só o achava um cara legal, um amigo com quem gostava de passar alguns momentos. Sim, um amigo somente, ao invés do amante que ele desejava ser, que ele idealizava na sua preciosa fantasia. Ainda assim, seria melhor conhecer a verdade dela do que seguir dando voltas nessa dúvida. Por isso, decidiu, seria hoje, ao reencontrá-la, o dia em que colocaria as cartas na mesa. Estava chegando a hora combinada. Pensou como abordar o assunto e achou que deveria ser breve e direto. Diria apenas: não consegui te esquecer e cansei de tentar. Ainda tenho alguma chance contigo? Pareceu um bom plano e não tinha tempo para pensar algo melhor. Ela então surgiu na porta do estabelecimento e, vendo-o, veio trazendo um sorriso em direção a ele, que, rendido em suas defesas, diante da beleza exuberante daquela mulher arrumada para o trabalho, só conseguia pensar na grande ironia do acaso que fazia tocar no som ambiente daquele café, naquele exato momento de sua aproximação tão aguardada, uma música antiga do Roberto que diz


“Você foi
o melhor dos meus planos
E o pior dos enganos
que eu pude fazer
Das lembranças que eu trago na vida
Você é a saudade que eu gosto de ter
Só assim, sinto você bem perto de mim
Outra vez…”

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