Conto: Só

Olhava a lugar nenhum em meio ao burburinho, ou melhor, para dentro de si, em seus pensamentos, onde voltava sempre a se encontrar, especialmente desde uns anos, quando percebeu que os últimos vestígios da juventude se desvaneciam e que estava só. Sem os pais, falecidos, e com os irmãos, sobrinhos, cunhadas e todo o restante da família cuidando de suas próprias vidas e lhe destinando algum aconchego ocasionalmente, não sabendo bem se por amor ou piedade. Estava só. Os relacionamentos não prosperaram, não teve filhos, estava consigo mesma. As amigas, poucas e também sós, cada vez irradiavam mais amargura do que alento. Havia passado dos 50 anos e para além da "idade útil", segundo a noção cruel de como se via aos olhos dos outros. Naquela festa de família,  não era mais a criança que corria entre os adultos, nem a mocinha que recebia a atenção de todos por seus encantos. Ainda se mostrava bonita, mas os traços do tempo se destacavam, como um espelho trincado, os vincos na pele e o brilho perdido no olhar de quem conviveu com a dor e a perda, de si mesma e de todo um mundo que era o seu, e dos sonhos e da esperança, a que tantas vezes recorreu, e do tempo de tantas coisas que poderiam ter sido diferentes mas não foram, passaram, deixando o gosto amargo de um quase desperdício. Os caminhos conduziam agora a poucas saídas. Encontrar alguém, ter sua própria família, um grande êxito pessoal, não eram mais esperados a essa altura. Estava só e só havia a si mesma para estar. Queria aproveitar aquele momento na companhia de seus familiares, sabendo que ia ser pior quando chegasse em casa, ainda que a solidão agora a acompanhasse por todo o lugar, mas sozinha, por vezes, tinha receio de onde seus pensamentos poderiam lhe levar. Naquele ambiente de festa, sorria um sorriso pronto enquanto imaginava se a vida era diferente para esses outros e todos os demais, e apiedou-se deles porque ao viver a maior das solidões sabia, convicta, que todos somos solitários e alguns, no máximo, compartilham sua solidão com outras pessoas. Mas, talvez, quem sabe ainda, poderia ser diferente se tivesse alguém para amar...e suspirou, novamente, o mesmo velho suspiro.


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