Diários da pandemia - #Dia 2: medo
Durante os 12 dias que ficamos em isolamento, no início da pandemia de Covid-19, eu e minha esposa decidimos escrever diariamente sobre um tema que escolhíamos, relacionado àquele momento de tensão e incerteza, tentando nos manter serenos e filtrar o bombardeio de notícias, fake news e tudo o mais que vinha da rua.
Passados 3 anos desses dias isolados e do pior da pandemia, vou reproduzir aqui - com permissão da Cacá - esses textos que refletem como estávamos vendo e vivendo aquele período tão diferente de tudo o que havíamos vivido até então, e que nos ajudaram a ficarmos conectados à realidade e a nós mesmos.
#DIA 2 (22/03/2020) - TEMA: MEDO
Ela:
O que te move? Quando
li esta pergunta, há algum tempo, ingênua e rapidamente pensei: o desejo. A
vontade. O querer mais - mais alegrias, mais histórias, mais encontros, mais
possibilidades. Seria desejo o que nos impulsiona diariamente a levantar da
cama, planejar o dia, o ano a vida, trazendo tesão suficiente para ligarmos os
motores com força total. Ou deveria ser. O mundo como ele é nos trouxe algo
mais imediato do que o desejo: a necessidade. Com ela, deixamos o querer em
segundo plano: porque precisamos. Precisamos ao acordar pensar nas contas a
pagar, nos prazos que estão vencendo, nos padrões sociais a seguir. Sabe aquele
tesão? Esquece. Ele fica para depois, quando sobrar o tempo (que nunca sobra)
para pensarmos nisto. Nos últimos dias, porém, acordamos assombrados por um
sentimento, que embora estivesse sempre em nossos inconscientes, interferindo
em nosso ser e agir, ficava guardado, reservado aos momentos de solidão. Não se
falava dele: era sinal de fraqueza, e o mundo era dos fortes. O medo. De
repente, o medo teve permissão para se tornar público, compartilhado, assunto
principal das conversas. Sobrepôs necessidades e desejos. Tornou-se o motivo
principal de nos levantarmos pela manhã- aquilo que nos move. Tememos pela
família, pelos amigos, pelos negócios. Por nós e pelo outro. Pela vida como é,
ou pela vida simplesmente. Assumimos e abraçamos nosso medo, sem vergonha dele,
e estamos aprendendo a conviver abertamente com suas implicações e
consequências. Espero que o medo conscientize. Revolucione. Sirva como
motivação para entendermos quais deveriam ser nossos desejos e vontades, nossas
prioridades e importâncias reais. Para que, passando a tempestade, possamos
abrir os olhos nas manhãs pelos motivos certos.
Eu:
O medo é uma reação instintiva a uma
ameaça iminente ou futura, essencial à sobrevivência por aquilo o que nos
prepara e defende. Sempre foi assim, desde o início da humanidade. Mas o medo
piora na proporção da imprevisibilidade do perigo, que o potencializa por
tornar incerta a defesa necessária à autopreservação. E assim estamos hoje,
convivendo com o medo de uma ameaça até então não sentida nessas proporções
pelas gerações atuais, remetendo apenas a períodos de guerra e doenças só
relatados pela História. O imprevisível ameaçador está no que essa pandemia de
Coronavírus irá nos deixar de vítimas e de danos econômicos que,
inevitavelmente, podem converter-se em graves danos sociais. Haverá ruptura do
tecido social, cairemos no caos, as instituições conseguirão manter-se na
condução da sociedade? Sim, o medo nos leva a cogitar os piores cenários diante
de uma ameaça de proporções incertas. No entanto, a mesma História também
mostra que o medo resgata o senso coletivo e é um ambiente fértil para a
solidariedade. Ao reforçar nossa humanidade, reaproximando-nos pelo mesmo
objetivo comum, o medo se torna suportável e qualquer ameaça deixa de parecer
invencível.
Comentários
Postar um comentário