Liberdade
De onde trabalho, na minha pequena sala de escritório,
espremido entre o computador e os papéis, ouço quase diariamente um cara que
passa pela rua à frente, cantando alto e desgraçadamente desafinado uma música
ruim, sem dar a mínima importância para o seu vexame público e sua aparente
loucura.
Dia desses eu parei e pensei que ele, em realidade, era muito
mais livre que eu. Assim, caminhando e cantando no claro do dia, sem nenhuma
preocupação, nem com a afinação nem com a vergonha.
Ao contrário, eu me encontrava preso aos meus compromissos,
clientes e tarefas, que eu necessito manter para sustentar um padrão de vida
que provavelmente eu nem necessite. Preso às responsabilidades de ser
competente e manter uma boa imagem pública, que desapareceriam se eu saísse
cantando pela rua – mesmo que afinadamente.
Quem realmente é livre? Do que necessitamos para sermos
livres? Liberdade é adquirir bens e respeito para não depender de ninguém, ou é
possuir apenas o mínimo que dependa de você?
A liberdade plena é uma utopia, jamais a teremos. Salvo,
talvez, na morte, mas aí estamos falando de uma outra dimensão, outro plano de
existência, ou do nada absoluto. Jamais seremos absolutamente livres porque
necessitamos de nossos pares para viver, exercer nossa identidade e, até
mesmo, ser felizes. Esse condicionamento ao outro nos impõe regras inevitáveis,
mais ou menos amplas e flexíveis, que nos darão maiores ou menores alternativas
de exercício da liberdade. O livre arbítrio, nesse contexto da realidade, é um
bonito conceito. Mas, em verdade, sua
importância não está em justificar uma possível liberdade de escolha. O
livre arbítrio deve servir para questionar, corromper e subverter, sempre que
necessário, a nossa falsa sensação de liberdade e segurança, quando questiona o
sentido das nossas escolhas no meio da madrugada, e que de nada adiantará se
estiver desacompanhado da coragem de escolher diferente dentro das muitas
possibilidades de ser livre...
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