Imigrantes somos

Uma parte de mim veio de Málaga, na Espanha, em 1892, trazida de navio pelos meus bisavôs por parte de mãe. Outra parte veio de portugueses que vieram antes, de origem imprecisa, por parte de meus avôs paterno e materno. Uma parte veio da miscigenação de brancos portugueses com índios nativos, com minha avó por parte de pai. Uma parte ainda veio de um bisavô que lutou na revolução de 1930 e de quem ainda tenho vaga lembrança. Outra parte, de meu avô comerciante, que veio do interior do município se estabelecer com um comércio de alimentos e armarinho na sede, trazendo a família - dentre eles meu pai -, que gostava de política e jogava cartas comigo. Outra parte veio de outro avô comerciante, que começou estofador e chegou a ser um grande lojista local, homem muito correto e pai da minha mãe, que gostava de fazer graça e sabia falar sério. Uma parte também veio de meu tio que gostava de bixos e de cultivar hortas, além de colocar apelidos em mim e nos outros. Outra parte veio de outro tio, que exercia o sorriso mais do que todos, com quem sempre queríamos estar e que gostava de aventurar-se pelas estradas em seu motor-home. Uma parte veio do homem mais bondoso que já conheci e o que mais amarei, o qual me apresentou o ofício que decidi seguir e a música que adotei, meu pai. Outra parte veio da precaução de uma mãe dona de todos os medos do mundo e amorosa na mesma proporção. Uma parte veio de um tio, ou de um tio-avô, ou de ambos, boêmios natos e chegados a um trago. Outra parte veio de um primo do meu pai, que tinha a música na alma e a fez sua companheira de vida. Outra parte veio de uma prima que viveu o amor genuíno por sobre as barreiras morais que a sociedade impõe ou com as quais defende suas aparências. Outra parte veio de tantos parentes, mais ou menos próximos, de espírito cigano e gosto por conhecer o mundo. Outra parte não veio no sangue, mas sim pelo exemplo, de alguns líderes naturais e profissionais distintos; de homens e mulheres valorosos e amigos valiosos. Outra parte veio à esteira da força transformadora do amor, trazida por uma mulher, com quem seguimos nos transformando um ao outro. Outra parte veio dos livros, da natureza, dos erros e acertos, das perdas e ganhos, das lutas e danos, dos nossos e de estranhos, vivos e mortos, de tudo o que vem e vai nesse constante movimento. No fim e ao cabo, somos todos imigrantes de nós mesmos. Em nós mesmos, imigrantes somos...

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