#CASO 4: A Srta. Promotora
Eram
9 horas da manhã de uma Terça-feira e eu aguardava a audiência,
junto com meu cliente, no corredor do foro central. Seria uma
audiência de conciliação num divorcio litigioso. Guarda de filhos,
partilha de bens, pensões e rancores envolvidos. Esses momentos que
põem as partes em contato para tratar do problema que eles mesmos
criaram e que agora desejam ver resolvido pelos advogados, juiz,
promotor, toda a maquina judiciária e a própria justiça divina, se
Deus quiser...O ofício de advogar nos leva a desenvolver certas
habilidades, em especial o exercício do distanciamento. A gente vai
aprendendo a se distanciar do fato que é a nossa causa de agir e a
causa da aflição do cliente. Separamos a avaliação emocional que
nos é dada por sua categorização legal, para daí traçarmos a
estratégia jurídica que alcance o resultado esperado, ou o melhor
que for possível. Mas o distanciamento exige muita disciplina, e por
vezes também somos abatidos pela situação humana com que lidamos,
pois não é raro encontrarmos em um caso a sinalização do erro, do
engano, da falência da própria condição humana. O amor, que inspira tantos casais, não conta
absolutamente nada em uma audiência dessas. Ele é simplesmente
ignorado ou, no máximo, utilizado como retórica para quem busca a
vantagem de obter a compaixão do juiz e melhorar sua posição contra o
desamado oponente. E assim estava eu devaneando já com o cóccix
sensível à dureza do banco de espera - que deve ser assim, muito
provavelmente, para dissuadir as pessoas a voltarem a buscar a
justiça dos homens e resolverem seus problemas como gente civilizada
-, quando a audiência foi apregoada. Entramos, nos colocamos frente
à frente, advogados e partes, juiz ao meio. No instante em que
estranhei a ausência do representante do Ministério Publico, ela
entrou. Uma jovem, 30 anos ou quase, magra, cabelo negro na altura
dos ombros, olhos igualmente negros que varreram a sala com um breve
bom dia, e a altivez marcante de um passo firme e de uma postura
ereta incomum para mulheres daquela idade. Parecia muito certa do que
fazia, ou viria a fazer. Sem falar mais nada, sentou-se ao lado do juiz
e passou a ler suas anotações sobre o caso. Então, antes mesmo do
juiz pigarrear, a Promotora dirigiu-se a meu cliente, sem cerimônias:
"Então,
sr. Cássio, vamos resolver isso hoje?" Respondi
de imediato, para fazer notar minha presença e evitar que meu
cliente se sentisse acuado: "Sra.
Promotora, isso a que Vossa Excelência se refere também é do
interesse do meu cliente, mas não depende só dele." Dito
isso, ela me fitou no curso de uma pausa e disse com um humor sutil,
sustentando o olhar no meu: "Tudo
bem, doutor, mas é senhorita, ok?" , e
sorriu. Na verdade, sorrimos todos, o gelo foi quebrado e a audiência
seguiu sem maiores tensões, resolvendo-se ali o litígio que,
acredito, já havia exaurido as forças das partes, facilitando o
terreno para mútuas concessões. Ao sair da sala, aguardei a
oportunidade e alcancei-a no corredor, pedindo-lhe desculpa e dizendo
que só a chamara de senhora por respeito. Ela riu novamente, disse
que entendia e que não me preocupasse, arrematando: "Agora
você já sabe que sou solteira e sabe também meu nome, prazer
Clarissa! Não vai esquecer, dr. José Carlos...a gente se vê por
aí, tchau!" E
me deixou para trás, assimilando aquelas palavras e tentando
censurar o meu ímpeto em acreditar que ela dissera mais do que
falara. Voltei dali pro escritório pensando, apenas, por que não?
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