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O espaço e o vazio humanos

Tenho notado uma tendência de muitos a ocuparem maiores espaços. Casas e carros cada vez maiores. Até mesmo na beira da praia, o guarda-sol já não basta, tem que ser um gazebo de 12 metros quadrados, pelo menos. O próprio som do mar já é insuficiente, tem que ocupar o espaço sonoro com alguma música (ruim) em alto volume. Às vezes penso que todo esse espaço é para conseguir maior distância dos outros, ou será porque o ego humano está inflado como nunca antes se viu? Em relação a alguns, porém, poderia apostar que o espaço que ocupam é proporcional ao seu vazio interior. Será que necessitam mesmo projetar no espaço físico o que não encontram em si mesmos? Ou é porque preferem mesmo evitar estar com seus pensamentos e fazem questão de ficar do “lado de fora”, com cada vez mais distrações e amplitudes? Parece que nós, seres humanos, estamos ocupando cada vez mais espaços - com todo o custo que isso gera para nós mesmos e para o planeta – e que, mesmo assim, permanecemos insatisfeitos e in...

O Brasil no Oscar 2025 e a história de Eunice Paiva

O Brasil - e o mundo! - foi surpreendido pelas indicações do filme brasileiro "Ainda estou aqui" ao Oscar 2025 de Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz para a protagonista Fernanda Torres. Um filme nacional, com baixo orçamento e que conta uma história antiga surpreendeu, sim, em meio às superproduções de Hollywood e seus grandes astros. No entanto, embora antiga, a história de Eunice Paiva ainda é bastante atual, sobretudo quando vivemos uma época obscurecida por um aparente predomínio do pensamento conservador que impõe constantes ataques à liberdade e pluralidade democráticas, conquistadas a duras penas e perdas - como a de Rubens Paiva, vítima da repressão política no período ditatorial brasileiro, que hoje, irresponsavelmente, muitos relativizam e até gostariam de restabelecer. Um dos meus livros de iniciação na literatura, dado a mim por meu pai na minha adolescência, foi "Feliz ano velho", marco geracional escrito por Marcelo Rubens Paiva, fil...

Adeus 2024 e bem-vindo 2025

O ano de 2024 se despede como um ano bom para mim. Ano de reequilíbrio, de redirecionamento profissional e de muitos bons momentos vividos. Com suas dificuldades, tristezas e perdas, obviamente, mas no balanço geral positivo. Dou boas vindas ao 2025 que inicia esperando ainda mais dele. Não falo de grandes acontecimentos ou aventuras, mas daquilo o que mais me interessa: paz, amor e serenidade. Que o seu novo ano traga também aquilo o que você mais deseja, e que você seja feliz ao cruzar por ele, chegando melhor do que é - ou está - hoje ao final do calendário de 2025, lembrando, com Erico Verissimo, que a vida começa todos os dias. Sendo assim, que não lhe falte vida nesses novos dias... FELIZ ANO NOVO!

Os donos do campinho

Os donos do campinho da minha infância eram, apenas, os melhores. Sim, os melhores da bola que se jogava ao final da tarde no campinho de grama da praça pública, próximo da minha casa. Não os donos da bola, ou os mais valentes ou populares. Porque era campo aberto a todos que chegassem, a maioria gente pobre e simples, alguns de classe média, que jogavam com tênis a ou descalços, não importava. Não havia juiz, nem torcida, nem pais ou mães por perto. Havia as regras do jogo e o respeito imposto pela força ou tamanho do outro, mas principalmente pelo talento dos que eram reconhecidos os melhores jogadores. Havia uma hierarquia, que atribuía a uns poucos esse status de donos do campinho, e os outros tantos que, assim como eu, apenas estavam ali tentando jogar uma bola. Ainda hoje lembro os seus nomes e como jogavam. Alguns de uma forma elegante e com porte majestoso, outros, abusados, que gostavam de exibir suas habilidades e debochavam dos "pernas-de-pau", ou ainda os operário...

A minha dívida com a cultura negra musical

Neste 20 de novembro comemoraremos o primeiro feriado nacional da Consciência Negra. A meu ver, justíssimo, pelo tanto que as populações negras das mais variadas origens contribuíram para a formação da identidade nacional, e pelo muito que merecem ser reconhecidas após tanta exploração e sofrimento a que foram submetidas, desde a época da escravidão e ainda nos dias de hoje, na desigual ocupação de espaços nos segmentos mais favorecidos de nossa sociedade. Mas, falando do ponto de vista pessoal, quero declarar que sou devedor - e muito! - da cultura negra musical, e assim quero continuar sendo como um grande admirador e fã da música feita ou originada de artistas, músicos e compositores negros. Particularmente, não gosto nem costumo fazer esse tipo de distinção racial em qualquer outra situação. Penso que qualquer julgamento ou preconceito relacionado a cor ou origem de alguém representa a forma mais elevada de ignorância que alguém pode ter. Por outro lado, a distinção aqui serve para...

Quem você queria ser…na sua infância? Ou o que a criança que você foi queria pra você?

Você cumpriu o sonho da sua criança anterior? A que você foi antes de ser adulto? Aquela que tinha a vontade mais genuína do futuro que queria pra você? Antes dos testes vocacionais, das profissões da moda, de ter de fazer algo para pagar as contas, das conveniências que te impuseram ou que você aceitou, daquilo o que deu pra conseguir. Você acredita que aquela criança aprovaria as escolhas que você fez? Ela se alegraria em ver quem você é hoje, quem você se tornou? Ela teria orgulho da vida que você conquistou pra ela? Espero que sim, por ela e por você. Mas não se preocupe se as coisas saíram muito diferentes e ela talvez não aprovasse o que você fez com o futuro dela, afinal ela era só uma criança, não é? Não é?! Enfim, mesmo que você não tenha se tornado o astronauta ou o bombeiro que a sua criança queria ser, e que não haja mais tempo pra uma tal correção de rumo, sempre haverá como se reconectar a ela pelos olhos dela, na forma simples de ver o mundo e o que realmente importa, se...

Momentos confessionais

Nelson Rodrigues, ao responder a Clarice Lispector sobre se havia gostado da entrevista dada a ela, disse que gostara profundamente, porque, segundo ele, na vida o que mais vale são os momentos confessionais. Concordo, profundamente também, por serem esses momentos que, por vezes, definem as pessoas que, mesmo de passagem, vão se tornar importantes em nossas vidas, sejam elas marido ou mulher, familiares ou amigos. Aliás, não acredito em amizades verdadeiras enquanto não houver liberdade de se confessar a um amigo e vice-versa. A confissão é o sinal exterior da confiança no outro, e essa confiança também é a porta que se abre para o amor. Diferente da paixão, a gente ama em quem confia. Por isso que a perda de confiança é o caminho mais rápido para perder o amor, embora não seja o único. Voltando aos momentos confessionais, esses em que nos confessamos ou ouvimos a confissão de alguém com quem nos importamos são valiosos, porque permitem revelar o que há de mais autêntico em nós e ...