#Caso 2 - A noiva

Segunda-feira, contas pra pagar, prazos pra terminar, telefonemas pra retornar, enfim, típica segunda-feira. Chego no escritório, pela manhã, já me preparando para iniciar as tarefas do dia. Waleska, a secretária, só chegará à tarde, como sempre. Nem havia alcançado minha mesa, bateram à porta. Abri e me deparei com Virgínia, como depois vim a saber. Perguntou se eu já estava atendendo porque queria uma consulta. Era jovem, creio que uns 25 anos, loira, olhos azuis e elegante - sim, uma mulher muito atraente. De imediato fiquei curioso sobre o que a teria trazido no meu modesto escritório, numa manhã de segunda, como se estivesse ansiosa para resolver algo. Pedi que sentasse na poltrona em frente à mesa de trabalho e de imediato dei uma rápida olhada na ordem geral da sala, torcendo para que a faxina da sexta-feira anterior ainda fosse perceptível. Sentados, perguntei no que eu poderia ajudar-lhe.


- Bom, doutor...vim fazer uma consulta, sobre casamento, pode ser?

- Sim, farei o possível pra ajudar a esclarecer suas dúvidas - respondi ainda impactado por aqueles olhos azuis.

Apresentou-se e, após eu perguntar se alguém me havia indicado, disse com graça que decidiu falar comigo porque meu nome no letreiro do saguão lhe pareceu confiável - e de pronto gostei de seu sutil senso de humor.

- É que, bem, não sei se você vai me entender - seu constrangimento era visível -, mas eu queria saber o que aconteceria comigo se eu me separasse...assim, o lado financeiro.

- Então você é casada e quer saber como ficaria numa eventual separação. É isso?

- Na verdade, eu não sou casada...ainda. Mas eu explico. É que estou noiva, vou me casar, com um engenheiro, uma pessoa que gosta de mim, tem uma boa situação financeira, a gente se dá bem e tal, então eu acho que é o melhor a fazer. Só que, se não der certo, eu queria saber como eu vou ficar, né? Não me leve a mal, eu tenho um bom trabalho, não dependo dele, mas não quero me prejudicar se o casamento acabar, entende?

Era evidente que sua decisão de casar-se era muito mais racional do que sentimental. Entretanto, não me parecia que ela estivesse interessada apenas na boa situação financeira do noivo. Assim, me arrisquei a perguntar:

- Não me leve a mal, mas você não parece estar muito empolgada com esse casamento. Você pensou bem se seria, de fato, a melhor coisa pra você, ou se o momento seria mesmo esse? Só pergunto isso porque tenho que advertir-la que toda a separação é algo difícil de lidar e emocionalmente desgastante.

Ela me fitou com uma expressão que não foi de repulsa pela pergunta tão pessoal que fiz. Seu olhar era de resignação, de quem já havia se enfrentado com essa questão por muitas vezes e havia tomado uma decisão sobre a qual nao queria voltar a pensar.

- Doutor, eu sei que é o melhor pra mim. Quero alguém pra dividir minha vida. Pode não ser a pessoa com quem sonhei, mas é a melhor que pude encontrar até aqui e...

- Mas você ainda é muito jovem - disse, interrompendo-a.

- Eu sei, mas isso parece que só piora as coisas. Tenho a impressão de que os homens só se aproximam de mim por me acharem bonita, por me desejarem, sem se importarem com quem eu sou e o que quero pra mim.

Velho dilema de mulher bonita, pensei.

- Bom, se você está decidida, quem sou eu pra questionar... - falei isso olhando pra aquela mulher linda, jovem e atraente, imaginando que talvez eu a pudesse fazer feliz e ser feliz com ela, se a vida tivesse nos dado uma oportunidade. Ao invés disso, perdi a pessoa que amava e agora vejo diante de mim alguém que abre mão de procurar viver um amor pra se entregar a uma conveniência. Quase uma ironia...

Quando retornei do meu transe momentâneo, percebi a curiosidade do seu olhar, como se ela tivesse deduzido os meus pensamentos, e nesse instante creio ter havido um lapso de extrema intimidade entre nós, que permaneceu velado naquele encontro de olhares, porque logo tratei de me corrigir e retomei os deveres do ofício, explicando-lhe o que dizia a lei sobre os regimes matrimoniais de bens e as consequências de cada um numa eventual separação.

- Espero que eu tenha esclarecido suas dúvidas.

- Esclareceu sim. Foi muito bom ter vindo aqui - dizendo isso com uma certa ambigüidade de sentido, como se o encontro tivesse sido mais interessante do que a consulta em si. Ou eu quis entender assim. Vai saber...

- Fico a sua disposição, quando necessitares - o que me esforcei para dizer da maneira mais séria e profissional que pude.

Ela deixou o cheque dos honorários sobre a mesa, levantou-se e abriu um lindo sorriso, que quase me impediu de levantar da cadeira para despedir-me dela, num aperto de mãos quentes.

- Muito obrigada pela orientação, me ajudou muito. Vou pensar a respeito e falar com, você sabe, com ele. Talvez eu, a gente volte a lhe procurar sim. Tchau!

Acompanhei-a até a porta e voltei para minha mesa. Sentado, ainda sentindo o seu perfume na sala, pensei no que poderia significar a comunicação sensorial que tivemos naquele rápido instante. Desejo? Interesse? Curiosidade? Mas, mesmo que significasse algo, do que adiantaria se ela estava para se casar, fosse lá o motivo que fosse, e eu não estava disposto a relações complicadas, sobretudo envolvendo terceiros. Ou, pelo menos, achava que não...


(continua)

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