Reflexão de antesala de hospital

Na espera para visitar a nossa querida Dona Ivone no hospital, e depois de ler o que a Martha Medeiros escreveu em sua coluna sobre o desejo, fiquei pensando: talvez o melhor lugar para falar sobre desejo seja uma antesala de hospital, vendo pessoas se esgueirando de doenças ou sendo por elas abatidas. Isso porque, nesses lugares, o desejo encontra sua redenção. Normalmente, nós o tratamos como um vilão, um bandido que pula a janela de nossas casas segura e nos rouba o bom senso, vilipendia nossa moral e nos expõe ao maior de todos os perigos: o prazer. Mas aqui, na antesala do hospital - também a antesala do lado de lá, digamos assim -, o desejo cobra a conta das vezes em que foi renunciado. O arrependimento daquilo que não se fez porque não era o "certo" fazer insiste lembrar que sua vida resultou menor por isso o que não foi vivido, saboreado, desfrutado, enfim, sentido... E não adianta querer justificar-se pelo atendimento a regras sociais, legais, morais ou mesmo financeiras - todas, nessa hora, mais ou menos banais. Ali, a existência faz o balanço de toda sua potencial intensidade, e lamenta dolorosamente a falta dela como um desperdício. Nesse momento extremo, o desejo passa a ser a medida de uma vida bem ou mal vivida. Mas, só pra concluir, o desejo de que eu falo não é o da atração física (embora não o exclua). Falo daquele ideal mais amplo de poder viver aquilo o que faz com que cada um, de diferentes formas, se sinta bem, seja realizando sonhos, estando com quem gosta, viajando pelo mundo, tomando uma cervejinha com amigos etcetc. A Dona Ivone, graças a Deus, está voltando para a casa dela, para os seus poemas, o seu jardim, o seu aperitivo e para o convívio com a sua família. Com toda certeza, estará realizando mais esses desejos em sua vida...

Ah, um trecho da crônica da Martha Medeiros que inspirou o post (ZH dominical de 25/04/10):

"Extra, extra, só existe o seu desejo. É o desejo que manda. Esse troço que você tem aí dentro da cachola, essa massa cinzenta, parecendo um quebra-cabeças, ela só lhe distrai daquilo que realmente interessa: o seu desejo. O rei, o soberano, o infalível, é ele, o desejo. Você pode silenciá-lo à força, pode até matá-lo, caso não tenha forças para enfrentá-lo, mas vai sobrar o que de você? Vai restar sua carcaça, seu zumbi, seu avatar caminhando pelas ruas desertas de uma cidade qualquer. Você tem coragem de desprezar a essência do que faz você existir de fato?"

Comentários

  1. É uma boa meta: aceitar nossos desejos e fazer com que caibam na vida enquanto ainda há tempo para realizá-los...
    Parabéns pelo blog, já está linkado nos favoritos do Insônias.
    Forte abraço, Cássia Message

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