A verdadeira fidelidade

Sempre me surpreendi com a maneira desrespeitosa como alguns casais agem ao se separarem. É como se, em dado momento, nada mais do que viveram juntos importasse e valesse apenas acusar, humilhar, ofender ou desprezar o outro. Esse outro que, pouco antes, a mesma pessoa considerava o seu companheiro ideal, o amor da sua vida ou sua razão de viver. É claro, muitas vezes, as separações decorrem de episódios traumáticos – sobretudo quando envolvem um caso extraconjugal -, capazes de gerar grandes decepções e rancores de um para outro ou a ambos. Noutras vezes, uma aparente banalidade é o epílogo de uma união amparada no comodismo ou, até mesmo, em questões econômicas. Então, de uma ou outra maneira, parece uma reação quase natural responsabilizar o outro pela suposta “perda de tempo” dedicado a um relacionamento falido. Quando isso acontece, fica fácil a um denegrir publicamente o outro, como se isso fosse uma espécie de vingança particular pelo tempo que este lhe “roubou”. Eu, mesmo admitindo não ter lá muita experiência com separações e rompimentos, e também não querendo bancar o altruísta na teoria, sinceramente acredito que nunca poderia deixar de valorizar, como um precioso tesouro, aquilo o que vivi com outra pessoa. Aquilo o que é vivido, ou foi, é uma história escrita a dois, que se torna a história de vida de cada um, de modo inseparável, a ponto de não se poder renunciar a ela, pois não há como ignorar que aquele tempo existiu e tampouco há como saber o quanto a relação transformou você. Ao contrário, vai ser algo que cada um levará consigo para sempre, porque passa a ser uma parte sua. E mesmo que envolva algum sofrimento, também envolverá outros sentimentos mais importantes e aprazíveis à memória – dependendo, é claro, do que cada um prefere cultivar na lembrança... Mas se você está se perguntando o que tudo isso tem a ver com fidelidade, é porque concordo com aqueles que vêem a verdadeira fidelidade sem limitá-la à questão da monogamia, mas sim ao ser fiel a sua história com o outro – que, por isso, deve se extender mesmo após o fim da relação. Em seu grande “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, o filósofo contemporâneo André Comte-Sponville encerra o capítulo dedicado à Fidelidade com a síntese ideal a esse respeito: “Como eu poderia jurar que sempre te amarei ou que não amarei outra pessoa? Quem poderia jurar seus sentimentos? E para que, quando não há mais amor, manter a ficção, os encargos, as exigências do amor? Mas isso não é motivo para renegar ou não reconhecer o que houve. Por que precisaríamos, para amar o presente, trair o passado? Eu juro não que sempre te amarei, mas que sempre permanecerei fiel a esse amor que vivemos...”.

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